A qualidade do serviço e o cumprimento de normas trabalhistas, entre elas, as expressas do Código Brasileiro de Trânsito (CTB) também foram objeto de análise do Ministério Público do Trabalho. Isso porque a atividade que alguns catadores, popularmente mencionados como garis, exercem em Santa Maria no recolhimento do chamado sistema convencional do lixo são bem específicas. A prática inclui percorrer a cidade e em determinados pontos, juntar o material e arremessá-lo para dentro do caminhão. Após, os trabalhadores sobem no veículo se segurando na parte traseira, percorrem outras regiões e repetem o processo. O transporte dos trabalhadores é, pois, sobre estribos, plataformas ou carrocerias de caminhões coletadores ou compactadores de lixo. O CBT prevê “a proibição de condução de pessoas, animais ou cargas nas partes externas do veículo, salvo nos casos devidamente autorizados (Art. 235)”.
Conforme o MPT, o volume coletado em Santa Maria considerando o período de setembro de 2016 a julho de 2021 foi de 265,189 mil toneladas. A média mensal era de 4,494 mil toneladas. No mesmo período, executavam o serviço 48 trabalhadores. Isso significa que a média diária que cada trabalhador arremessa para dentro do caminhão é 3,46 toneladas. Outro dado é em relação ao deslocamento. Cada catador percorre cerca de 16.8 KM.
A atividade acaba por expor riscos à saúde. Entre eles, o físico, incluindo lesões crônicas; o químico, pelo contato com gases, poeira e substâncias químicas tóxicas; o biológico, pelo contato com materiais perfurocortantes que podem ter vírus, parasitas e bactérias; os ergonômicos, causados pelo trabalho repetitivo, ritmo de trabalho, adoção de posturas forçadas incômodas; mecânicos, relacionado ao choque elétrico, piso escorregadio, atropelamentos, quedas, engrenagem desprotegidas, esmagamentos; e os sociais, como trabalho noturno, ritmo de trabalho, revezamento de turmas, horas extras e falta de condições adequadas.– O sistema de coleta precisa ser modificado com urgência, contemplando todas as premissas da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Há necessidade de tratamento dos resíduos, com a separação dos resíduos recicláveis dos rejeitos, o que hoje não é feito. Todo o resíduo hoje é destinado como rejeito, quando parte dele poderia ser triado e gerar renda para associações e famílias que trabalham com materiais recicláveis. Estas famílias também precisam ser incluídas no sistema, melhorando sua condição de vida e também contribuindo para erradicar o trabalho infantil, tido pela legislação como uma das piores formas, devido aos riscos aos quais estão expostas as crianças e adolescentes – avalia o procurador do Trabalho Alexandre Marin Regagnin.
ACIDENTE DE TRABALHO
Processos por carga horária de trabalho excessiva, por falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e por condições de trabalhos inadequadas geraram multas à empresa responsável pela coleta convencional. Nos últimos cinco anos, o MPT autuou a empresa Sustentare Saneamento S/A. Entre 2017 e 2021 foram emitidas 13 Comunicações de Acidente do Trabalho (CATs).
Entre as ocorrências, atropelamentos, lesões por queda na rua, torção de pé, entre outras. As mais graves tinham relação com o transporte dos trabalhadores.– Em 2020, após investigação ter constatado que os coletores realizam horas extras habitualmente e diante do risco à saúde, o MPT entrou com uma ação civil pública contra a empresa contratada pelo município de Santa Maria para realizar a coleta e proibir a prática. Na ação, foi assinado acordo, se comprometendo a empresa a não exigir a realização de horas extras pelos empregados, também efetuando o pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 300 mil, dos quais R$150 mil já foram destinados ao Conselho Comunitário Pró-Segurança Pública de Santa Maria visando a aquisição de bens e serviços afetos à ampliação e melhoria dos serviços e ações na cidade – completa o procurador.
Os outros R$ 150 mil ainda não foram destinados, mas, segundo o MPT, há projetos já apresentados, voltados à proteção de crianças em situação de vulnerabilidade e inclusão socioeconômica de catadores.
Na última quinta-feira (21), a empresa Sustentare Saneamento S/A esclareceu, por meio de nota, que “em virtude de eventos operacionais pontuais, ocorridos em períodos de chuva intensa e/ou grande volume de resíduos domiciliares, houve a necessidade de remanejamento de seus colaboradores, fato que foi observado pelo Ministério Público do Trabalho e, por intermédio de entendimentos mútuos e total adequação de procedimentos para eliminar novas ocorrências, chegou-se a um acordo devidamente cumprido.”
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Por Pâmela Rubin Matge; colaboraram Eduarda Costa e Leandra Cruber
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